Insurgente

A passagem estava livre e o casal caminhava para a entrada da casa, a porta da frente, pela qual passaram sem problemas também. Deparariam-se com algo um tanto bagunçado, livros e mais livros, empilhados, em estantes, cômodas e móveis, até mesmo sofás cheios de livros. No centro do casebre, sentado de pernas cruzadas e lendo um livro, um vampiro de pele ligeiramente morena, cabelos longos negros e olhos ferais, lia um livro cuja capa continha uma imagem do Deus da América Central de mesmo nome dito pelo totem do lado de fora. O vampiro sorriu brevemente olhando para o casal, tratando de fechar o livro e descruzar as pernas. - "Ao menos ele tem bom gosto, apesar de parecer um acumulador." - Diria Any mentalmente, ainda de mãos dadas a Erik, observando atenta os livros pelo recinto. - Duvido que tenham se perdido procurando uma biblioteca pública ou um ninho de amor na mata... Muito menos que vieram pregar a importância da Espada de Caim nos tempos atuais... Me chamo Beckett, prazer em conhecê-los... Senhor e senhora... - O sotaque do vampiro era um tanto carregado, britânico quem sabe, ou até mesmo celta, sua linguagem não era rebuscada, mas ele falava de maneira formal, e prontamente vinha dar a mão para cumprimentar o casal, enquanto portava o livro na outra que jazia livre. Ele vestia uma camisa de botões marrom, uma calça social preta e botas ao estilo militar, além de usar óculos de leitura.

- Pode de chamar de Okoye. - Diria Any, apenas sorrindo e dando um tchauzinho para o vampiro que permanecia neutro, atento ao casal. - Então é isso... De fato é melhor ser direto nesse tipo de indagação, assim evita que eu acabe querendo dar uma palestra de arqueologia sul-americana... Ao contrário do que os lunáticos do Sabá e alguns supersticiosos da Camarilla pensam, o ser no armazém não trata-se de um Antediluviano, mas sim de um Totem... Eu duvido que o Sabá tenha conseguido algo dele, eu tenho minhas suspeitas de que um Rei Camazotz estava mumificado e que seu cadáver foi usado numa espécie de ritual de sangue antigo para servir de moradia a um Espírito da Natureza, ou Wyld, como os Metamorfos dizem... A veracidade era ambígua, até que uma múmia com asas de morcego se ergueu das chamas e começou a beber dos membros do Sabá que estavam em pânico após a explosão... Ao meu ver é de se esperar que as mentes pequenas estejam enlouquecidas, porém o Totem causou um alvoroço tremendo nos animais, em consequência nos Fera, e é claro que os vampiros sentem a sede de sangue no ar... Minha dúvida é, vocês estão aqui para acompanhar os esforços africanos da região? Informação é uma via de mão dupla, eu costumo dizer que eu não hesito em contar algo e gostaria que o mesmos e valesse para meus convidados... Sem pressão é claro, eu sou civilizado, apesar da fama de meus semelhantes... Particularmente eu estou atento aos esforços dos Andarilhos em tirar os Uktena do poder, e é claro os Pumonca que se recusam a trabalhar em conjunto com "cães fedidos"... Uma pena, se esses seres soubessem trabalhar em conjunto como a suposta Mãe Gaia deseja, eles já teriam vencido a guerra eterna da Tríade... - Beckett estava calmo, e ia falando como se nada daquilo fosse urgente ou preocupante, na verdade, dava para sentir um certo desprezo dele pelos vampiros mencionados, enquanto que para com os metamorfos ele falava de uma forma mais cordial.

- "Percebo que ele está bem longe dos semelhantes mesmo... Gangrel amiguinho de lobos dá até pra entender, agora ele fala de uma maneira que parece Green Peace dos metamorfos... Aquela lá fora e as Valquírias dele, com certeza são elas que buscam a informação, ou parte dela... Estou com fome... Posso comer aquela lá fora?" - Dizia Any mentalmente, enquanto que sorria com cara de paisagem para o vampiro. - Fascinante, então parece uma iniciativa bem organizada... Minhas meninas sabem pouco sobre a tal Wakanda, porém sei que tem um agente deles bem próximo de uma delas... Não que me incomode, afinal não é como se ela fosse fazer bebês... Hun-Camé era o nome dado a esse Rei, ele regia junto de outro, chamado Vucub-Camé... Há uma saga deles escrita como "Senhores Demônio de Xibalbá", eles são oriundos do México, região antes chamada de Yucatã... Conhecido por Inframundo, ou Mundo Inferior, até mesmo "Mundo fora deste"... Eles eram mais como juízes do que reis, porém eram um conselho formado por vários... Muitos mitos foram criados, mas a realidade é que eram todos membros do Camazotz, por isso sua aparência dita como demoníaca pelos maias e pelos espanhóis... - Continuaria Beckett a falar indo na direção de uma das muitas estantes de livros, com capas duras com dizeres em espanhol e na língua maia. - Perdão, me empolgo um pouco com esses assuntos... Não faria mal ter mais um contato de trabalhos arqueológicos... Especialmente um tão ávido pelo confronto com a história antiga viva... - Diria Beckett dando uma breve risada. - Mas para isso posso pedir auxílio com algo antes? Gostaria de confirmar uma teoria minha, mas parece que há uma Dente-de-Sabre aqui em Wichita, e ela é a protegida de um Khan... - Falaria por fim olhando para o casal, esperando sua resposta.

- Caverna, Faris... Intrigante e bem possível, se o provável Rei está em seu estado primitivo ele com certeza procuraria um habitat familiar... O povo dele se estabeleceu em galerias subterrâneas no México, estas que são até hoje motivo de especulações arqueológicas e místicas... Miyagi, nome com sonoridade japonesa, estranho que seja um Khan, talvez alguém nascido de um caso entre um Khan e uma japonesa... Fico feliz de que não tenha sido um "qualquer um" que entrou no meu Elísio... Seria interessante podermos conversar sobre nossos interesses... Existe a possibilidade de que exista uma organização humana revivendo fósseis com tecnologia, um boato absurdo, mas que provou-se curioso com o aparecimento de uma felina da época do Impergium... Eu gosto de preservar a Máscara tanto quanto qualquer outro vampiro minimamente esperto... Atrair caçadores, magos, e outros tantos inimigos é perigoso, e é uma questão de tempo até que o alvoroço geral provoque problemas para os sobrenaturais da cidade... Lobos e Pumas vão acabar se enfrentando até a morte, Sabá e Camarilla vão seguir o mesmo passo, a menos que o Príncipe desista da cidade e deixe que o Sabá faça como quiser... Os humanos são sempre pegos em fogo cruzado, então não tenho porque me importar tanto com a segurança deles... Porém eu tenho um local seguro aqui, e não gostaria de perde-lo... Se quiser apoio ao anoitecer posso pedir a Tokala que acompanhe vocês depois, ela já deve ter memorizado seu cheiro... O Rei deve estar com insone, mas se escondeu-se, pode ser que esteja tentando se acalmar, ou relaxar nem que seja o mínimo... Não sei se haverá diálogo já que ele só fala a língua Maia, o dialeto específico eu posso não conseguir reproduzir, mas com certeza me viro bem... Isso é o que tenho a respeito dos Senhores Demônio Maia... Não presumo os efeitos do sangue vampírico ao Camazotz, nem se ele é um totem vivo reanimado na múmia de um Rei, de qualquer modo ele pode ser perigoso... Se quiser fazer reconhecimento e pedir auxílio estarei por aqui, mas sair de dia é um tanto impossível fora da Película... Acredito que destruir o corpo físico libertará o totem, se tem experiência com magia devo sugerir algum aprisionamento ou contenção... Irei pesquisar alguns métodos emergenciais de lidar com ele, depois podemos discutir sobre a Khara do herbalista... - Falaria Beckett, entregando um livro para Anuar, depois de uma longa procura na prateleira. - "Esse vampeta é cheio de marra... Fala mais que a boca... Mas é um pensador..." - Comentaria Any mentalmente. - "O nome da guria é raposa em Sioux... Eles não são dessa região, então ele trouxe ela de fora..." - Complementaria a parceira.

O livro era intitulado, "Os Senhores de Xibalbá", Xibalbá é o perigoso inframundo habitado pelos senhores malignos da mitologia maia. Se dizia que o caminho para esta terra estava infestado de perigos, era escarpado, espinhoso e proibido para os estranhos. Este lugar era governado pelos senhores demoníacos Vucub-Camé e Hun-Camé. Os habitantes de Xibalbá eram treze:

1. Hun-Camé
   
2. Vucub-Camé
   
3. Xiquiripat
   
4. Chuchumaquic
   
5. Ahalpuh
   
6. Ahalcaná
   
7. Chamiabac
   
8. Chamiaholom
   
9. Quicxic
   
10. Patán
    
11. Quicré
    
12. Quicrixcac
    
13. Kinich-ahau
    

Na mitologia maia, Hun-Camé é uma deidade demoníaca do submundo Xibalbá. Junto com Vucub-Camé é um dos dois juízes do conselho, cujo papel é o de atribuir os seus poderes no senhores de Xibalbá. Os jovens gêmeos Hunahpú e Ixbalanqué mataram a Hun-Camé e seu corregente no submundo Vucub-Camé, como vingança pela decapitação de seu pai, Hun-Hunahpú.

Sibalbhá ou Sib'albh'a é um lugar na mitologia maia descrito como um mundo subterrâneo governado por espíritos de doenças e morte. É o perigoso inframundo habitado pelos senhores malignos da mitologia maia.

Segundo o livro, existia nas antigas terras de Yucatã (México), um espaço de obscuridade e mistério. Era o “Inframundo”, habitado por uma legião de seres mitológicos e comandado pelos Deuses da Morte. Esse lugar existe geograficamente, e é hoje alvo da arqueologia, que aos poucos, revelam descobertas estarrecedoras. Havia uma sociedade metamórfica toda construída no subsolo, sendo composta principalmente pelos Camazotz.


Existe abaixo de Yucatã, uma gigantesca rede subterrânea de tuneis esculpidos pacientemente pela natureza. Ela é formada por milhares de passagens interligadas, hoje debaixo d’água. Os antigos maias, que viveram ali por centenas de anos, desenvolveram toda uma mitologia em torno desses tuneis e de suas “portas” de entrada, chamadas Cenotes. Os cenotes podem ser visitados hoje, e são incríveis poços de água cristalina, alguns imensos, que dão acesso a essa rede subterrânea. Quase toda a água doce da região provém dessas grutas e rios, que correm abaixo do solo. Não é por acaso, que algumas cidades maias, como Mayapán e Chichen Itzá, foram construídas ao lado de famosos cenotes. Além de locais mitológicos, divisores entre o plano terreno e o umbral, eram também provedores de água doce.

Na mentalidade maia, o Inframundo era um lugar habitado por deuses malignos. Um caminho marcado pelo perigo e proibido aos estranhos que não o conheciam. Governavam essa terra de mistérios dois senhores demoníacos: Hun-Camé e Vucub-Camé. Seguiam-se a eles Xiquiripat, Ahalpuh, Chamiabac, Chuchumaquic, Ahalcaná, Quicxic, Chamiaholom, Patán, Quicré, Quicrixcac e Kinich-Ahau (personificação do medo e do sofrimento humano). A lista desses deuses é vasta e contraditória. O leitor certamente encontrará outros nomes como Sukukyum e Yum Kimil (Senhor dos Mortos). Essa legião de deuses era conhecida como Senhores de Xibalbá. A mitologia maia nos conta que ao morrer, os homens não eram julgados em Xibalbá. Ao invés disso, para chegarem lá, deveriam passar por uma série de provações, nas quais enfrentavam animais selvagens, fogo, frio, rios traiçoeiros e penhascos.  

A mitologia relacionada ao Inframundo era motivo de adoração e, aos seus deuses, eram feitos sacrifícios. Em 2011, no cenote de Chichen Itzá, o arqueólogo Guillermo de Anda (Universidad Autónoma de Yucatã) encontrou a cerca de 5 metros de profundidade, uma oferenda que, pelo seu simbolismo, foi dedicada ao Deus da Chuva: Tlaloc. Além de cerâmica e carvão, foram encontrados esqueletos de um cachorro e um veado (animais caminhantes do Inframundo), além de restos humanos de 6 indivíduos e uma faca de sacrifício. No mesmo local, descobriram depois esqueletos de 20 indivíduos, há cerca de 50 metros de profundidade. A cada ano que passa mais e mais oferendas são descobertas pela arqueologia subaquática nos aquíferos maias, revelando dados preciosos sobre o que eles compreendiam como o Inframundo de Xibalbá.

O livro entrava em alguns detalhes como rituais de sangue e costumes de vida dos Camazotz maias, bem como o seu êxodo para o que seria hoje a cidade do Kansas, e um confronto crescente entre eles e os Garou da região que os consideravam mais vampiros que metamorfos. De acordo com o livro também, haviam suspeitas de que um Antediluviano poderia ser um dos Deuses Maias, sendo ele aliado dos Camazotz por interesses ocultos. Não se saberia dizer se Hun-Camé ou Vucub-Camé eram Camazotz e Kindred respectivamente, ou vice-versa, uma vez que ambos exerciam grande influência e uma enorme gama de poderes. A suspeita era de que Hun-Camé seria o metamorfo por haverem registros dele saindo para o mundo superior durante o dia para combater espanhóis que pertubavam seu sono.

- "O gangrel sabe das coisas, e tem livros interessantes... Não seria surpresa se ele fosse o Ancião que tá descrito aí... Estou ansiosa pelo banquete, especialmente de ouvir tanto sobre o tal Totem..." - Comentaria Any mentalmente sorrindo tranquila enquanto seus olhos cintilavam em excitação e suas mãos buscavam agarra o braço de Anuar, como que ansiosa. - Vejo que gosta de bons livros, o tempo aqui flui normalmente, apenas cubro o perímetro da luz do sol e o mantenho invisível a Kine e sobrenaturais de nível baixo... Jessica frequenta o Sirens, é uma casa noturna que pertence a um Anarquista famoso, ele se chama Erik Northman, é um Viking alto e musculoso, difícil de passar despercebido... Ele e um outro conhecido, Nines Rodrigues administram lados opostos da cidade, trocam informações e auxílio, bons samaritanos desde que não pise no calo deles... Se vocês chegaram até aqui devem ter conhecido um deles, provavelmente Nines, porque se não fosse o caso, Erik já teria falado sobre Jéssica, ou a teriam visto... Se bem que faz uns seis dias que não a vejo... Estou ansioso pela noite de hoje, parece que vai haver um grande reboliço. - Diria Beckett sorrindo com seus caninos à mostra, dando uma breve risada, indo sentar-se em uma poltrona de couro avermelhado.

- Ah sim, se vocês vieram pela área das pousadas, basta continuar como se fossem passar pela cabana, indo direto para nordeste, assim que passarem o rio Smoky Hill deverão andar pouco mais de duzentos metros antes de avistar a primeira entrada das cavernas... Elas formam uma estrutura similar a tuneis que passam por debaixo das antigas terras de Winfield e William Faris, existe um casarão que foi tombado como museu, e certamente o Totem poderá encontrar uma maneira de acessar o mesmo se ele conseguir orientar-se dentro das cavernas... Presumindo que está confuso e agitado, além é claro de desconhecer a área em questão, deve ser provável que ele procure um ponto profundo e faça seu ninho... Nines é um velho conhecido meu, mande um abraço pra ele caso o veja antes de mim... - Informaria Beckett, e não muito depois disso a dupla poderia sair, e do lado de fora, a índia vampira aguardava próxima ao totem de madeira. - "O vampeta é esperto, e Nines, esse é esperto também, ele sabia exatamente para onde nos mandar... Se a múmia fala espanhol ou seja lá o que for, com certeza não sabe sequer onde está... Só que se existiam Camazotz exilados aqui, é quase certo que os totós estão tremendo nas bases com a possibilidade do malvadão acordar... Chego a ficar empolgada imaginando a cara do Vin Diesel genérico ao ouvir que Hun-Camé acordou..." - Comentaria Any mentalmente, dando um tchauzinho para a vampira que olhava para eles sem demonstrar qualquer reação.

- "Estou impaciente, deve ser o miasma do Totem no ar... Se é um rei velho mumificado, ou se é um espírito numa casca, pouco importa... Ele está com raiva, com medo, uma mistura perigosa e divertida ao mesmo tempo... Pela energia ele vai ser como um animal encurralado, e a luta será de acordo... Você fica com o cheiro tigrão, eu fico com a aura... O rastro de sangue no ar já está impregnando a película umbral..." - Responderia Any mentalmente, já sendo revestida pela sua própria habilidade, tornando-se negra como o breu noturno, dentes pontiagudos, cuvas ainda mais sinuosas e com olhos brancos como a lua.

O trajeto seria fácil, tranquilo, não demoraria muito mais que quarenta minutos, e finalmente chegavam às cavernas, próximo a uma colina alta. O cheiro de sangue era evidente, até previsível, porém tratava-se de um odor quase teúrgico, como se algum ritual já estivesse acontecendo, além disso havia cheiro de ervas medicinais e animais mortos, bem como rastros de sangue variados que levavam à caverna e marcas de pegadas monstruosas. - "A aura está mais forte, ele está tramando algo, não sei o que, mas parece magia..."

Any rapidamente daria a mão para Anuar e ali os dois seriam um novamente, gerando a forma apocalíptica do necromorfo. - "Está sentindo essa vibração?? Se isso era um Totem está caído... Está sendo consumido pela Vilma..." - Logo que fossem para dentro veriam uma mudança drástica, o ar estava pesado, cheiro forte de podridão, e haviam raízes avermelhadas e com aparência cristalina saindo do chão e subindo para o teto da caverna, como que saindo de onde haviam poças de sangue regurgitado, além de restos irreconhecíveis de animais. Tais cristais emanavam um brilho estranho, e pareciam exalar também uma espécie de calor, que ia ficando mais intenso conforme caverna adentro. Com certeza quem havia entrado ali estava num frenesi se alimentando e vomitando compulsivamente. Porém haveriam também restos de ervas pelo caminho, e o cheiro de uma se destacaria apesar do odor de podre, o cheiro de Verbena.