0. Prólogo de Sangue

- Ela disse que eu iria ajudar? - Indagou Angel rindo brevemente olhando para Pisha e depois para Shanoa. - Eu sei que tem seu preço. - Respondeu a outra se aproximando dos dois. - Ok... Você é o preço. - Respondeu ele juntando as mãos e se sentando novamente. - Como assim eu?! - Exclamou Pisha irritada. - Escolha ruim de palavras, mas você entendeu. Está me evitando desde que cheguei na cidade, mas precisa de ajuda e lembra de mim na hora. Só estou pedindo um jantar... Bem... Um happy hour... Só isso. - Ele então tentaria se explicar se arrumando no assento de madeira. - Você sabe que não gosto disso, quer dizer, de homens. - Respondeu ela de forma direta e com uma postura altiva. - Não foi o que eu ouvi. - Disse ele sorrindo e movendo as sobrancelhas como que enfatizando sua proposta. - Sua sorte é que a Criança está agoniada de ficar aqui... Vamos até a cidadela, mas é só isso... Alguns drinques, conversa, no máximo como conhecida. - Concordou ela apesar de relutante. - Perfeito!! - Comemoraria ele se levantando de onde estava. - Só uma coisa, esse perigo todo e intriga, tem algo a ver com o Sire dela, ou... - Quando ele parecia estar se afastando para saírem da cripta, ele retornou, com o dedo indicador levantando, indagando mais sobre a situação de Shanoa. - Ela é de quinta geração, eu suponho. O poder do sangue dela é forte. - Explicou Pisha já rumando para a escadaria. - Ok... Prazer senhorita. - Ele então se aproximaria de Shanoa fazendo uma reverência e pegando em sua mão para beija-la, o que fez a outra vampira fazer cara de nojo.

- Ele é inconveniente, mas isso é algo normal em alguns casos... - Pisha revirou os olhos para Angel e após um suspiro explicou o que era aquilo para Shanoa. - Só estava sendo educado e galante. - Falou Angel dando de ombros e subindo as escadas, e quando subissem veriam um carro preto parado do lado de fora da cripta. - Ainda anda com essa coisa? - Indagou Pisha. - Essa coisa é uma peça rara e muito bem cuidada, eu mesmo reformei tudo desde que comprei e fiz melhorias. - Disse o outro com um ar de confiança andando para o lado esquerdo do carro, entrando no mesmo. - Isso é um carro, é um veículo, um meio de transporte que usa um motor a combustão. - Explicaria Pisha abrindo a porta do lado direito e esperando por Shanoa, levantando o banco dianteiro para que ela pudesse passar. Assim que estivesse prontas, Angel ligaria o rádio, deixando tocar uma música que ele parecia gostar bastante, chegando a cantarolar de forma muda e mover bastante a cabeça no ritmo dela, além de batucar com os dedos no volante do carro.

Saindo da cripta, logo era tomada em volta pelo frio noturno e pelo brilho do luar. Por mais que a sensação do momento fosse estranha, era reconfortante saber que finalmente iria se mover para buscar mais respostas sobre si mesma. Respirando profundamente em alívio, ela aproveita por poucos segundos a sensação enquanto sorria de leve, até o momento em que via aquela suposta "coisa". Era esquisito, diferente e não parecia nada confiável. Ficou tão resguardada nesse ponto que até parou de caminhar por um momento, permanecendo no mesmo lugar. "Isso me parece... Uma criatura? Será que é amigável?" Pensava a mesma com curiosidade e desconfiança, cerrando levemente os olhos enquanto observava os detalhes daquilo. Mas ao ouvir a explicação de Picha que se tratava de uma máquina com propósitos de transporte, relaxou mais seu corpo e assente como se tivesse compreendido. Retomando as passadas, Shanoa entra então pela suposta abertura que havia se criado pela companheira, sentando-se enfim no que parecia ser uma cadeira larga e estofada, bem no centro. Estava nervosa... Não sabia o que fazer. Era só ficar parada? Tinha que dizer algo? Há uma posição certa pra se sentar? Vários questionamentos passavam na cabeça d Shanoa, até começar a ouvir um som emanando de algum lugar desconhecido. Não era... Ruim... Era mais algo como... Empolgante? Uma emoção nova surgia e decidiu então começar a imitar de leve as ações de Angel com movimentos de mãos, cabeça e batidas de pé no chão do veículo, gostando do que fazia enquanto seguia o ritmo do som.

- Essa aí curte uma boa música! - Exclamou Angel rindo com a reação de Shanoa. - Não vejo graça nesses barulhos... - Comentou Pisha, mas seria possível notar que ela também batia o dedo indicador na porta do carro pelo lado de dentro, no ritmo da canção. - Tá certo... - Riu Angel novamente, agora dando partida no carro, o que faria seu motor roncar de forma harmoniosa, quase como o ronronar mecânico de um felino. - Ao menos não faz mais aquele barulho infernal. - Disse Pisha olhando para o lado de fora da janela, observando a paisagem que se movimentava. - Eu falei que reformei tudo, eu sou bom nisso. - Disse ele conduzindo o veículo para fora da floresta, chegando em uma trilha de terra batida. - Então... Qual seu nome moça, se é que você lembra, e o que mais você se recorda apesar da amnésia? - Indagaria ele após abaixar um pouco o volume da música, mas não muito, ainda deixando-a audível no ambiente interno do transporte.

Shanoa perdia o ritmo da música que fazia com seus movimentos ao ouvir um estranho estrondo vindo daquela máquina. Mesmo que o rugido fosse de forma sutil e suave, era capaz de assusta-la no banco de trás e observar de um lado para o outro ao movimentar a cabeça, tentando assim discernir a origem do som. Entretanto, o que era medo foi substituído por surpresa e logo se transformou em admiração por ver através das janelas que agora estavam se movendo naquele grande veículo estranho chamado de "carro", com as árvores indo e ficando para trás em uma velocidade constante. "Wooow..." Se ambos olhassem para trás, poderia ver a garota mantendo um olhar fixo para o lado de fora com as mãos encostadas no vidro e com a boca levemente aberta. Por fim, quase não escutando a pergunta de Angel por estar tão entretida, logo retoma a compostura ao se sentar no centro do banco de trás e responder meio que sem graça por causa do modo estranho de agir ao pigarrear com a mão fechada em frente a boca. — M-Meu nome é Shanoa e... — Ela parava um pouco de falar, pensando por alguns segundos sobre quais são as memórias que ainda lhe restam ou as que já conseguiu recuperar. — Segundo a Pisha, eu sou uma vampira... Não tenho muitas lembranças de quem ou o que eu era antes de acordar na floresta, mas ela me ajudou a descobrir o que eu sou agora... E como eu não sei o que fazer a partir desse momento, eu pensei que recuperando minhas memórias poderia ser um bom começo. — Dizia ela de forma sincera para o rapaz. — Quando eu tava dormindo naquela cadeira, eu tive um sonho estranho também... Mas o que mais me chamou atenção foi um nome. — Shanoa parecia relutante. Não sabia dizer se o que sentia era admiração ou medo ao pronunciar a palavra de seu mestre. Mas como ambos lhe ajudam, não seria justo esconder esse tipo de coisa deles. — Gabriel... — A pronuncia foi como se ela estivesse se lembrando de alguém que a muito tempo perdeu e que ainda guardava algum tipo de sentimento forte dessa pessoa, agarrando as próprias mãos em frente ao peito e apertando. Ela tinha um olhar meio vazio quando proferiu o nome, como se nem estivesse mais enxergando dentro do carro e sim a aparência de seu senhor.

Á medida que Shanoa falava sobre sua situação uma nova música nova tocava, tendo a anterior terminado. - Gabriel?? - Indagou Angel pensativo, mais para si mesmo que para as duas. - Gabriel? Se o ritual realmente indicou alguém de geração muito baixa... Isso não é nada bom... Algo sério está para acontecer... - Dizia Pisha com uma feição de preocupação, e sua voz tomando um tom bem mais emotivo, inclinado ao nervosismo. - Pelo jeito sabe de algo já, se importa de dividir com a turma? - Diria Angel olhando brevemente para a vampira que sentava ao seu lado na frente. - Gabriel Belmont, era um membro da Irmandade da Luz, uma elite de cavaleiros templários que defendiam os humanos das criaturas sobrenaturais. A esposa de Gabriel, Marie, foi brutalmente assassinada por um vampiro, e além disso ele próprio foi Abraçado por tal ser, o Antediluviano Tzimisce. - Explicou Pisha o que fez Angel ficar boquiaberto. - Drácula?! Esse Belmont não foi o cara que matou Vlad Tepes e assumiu o reino dele na Transilvânia? Isso quer dizer que a moça no banco de trás é no mínimo de Quinta Geração. - Acrescentou ele à medida que tantos nomes pareceriam muito familiares a Shanoa, podendo desencadear todo tipo de reação.

A musica anterior acabaria, e assim viria mais uma, essa com uma batida mais forte e mais energética. - Templários eu não sei, mas caçadores de vampiros hoje em dia, eles não iriam querer te ver nem pintada de ouro e coberta de diamantes. - Diria Angel o que automaticamente faria Pisha beliscar-lhe o braço. - Ai!! - Reclamaria ele fazendo uma careta de dor. - Gabriel, se for mesmo o seu Sire. Jurou vingança contra a Irmandade por terem sido incapazes de proteger sua falecida esposa. - Explicou Pisha olhando brevemente para o banco de trás. - Olha, eu não quero ser preconceituoso, mas se ela fosse uma Tzimisce não ia ter todo aquele negócio do corpo esquisito, tipo um Nosferatu? - Indagou o outro. - Não se for ele, Gabriel é da linhagem antiga dos Tzimisce, antes de se aventurarem com a Wyrm, quando ainda eram usuários do Koldun. - Respondeu Pisha. - Então aqueles lances do Drácula falar com animais, teleportar, virar névoa, e etc... É sério? - Indagaria o outro novamente. - Vlad Tepes como muitos conheceram, havia capturado um vampiro e o obrigado a Abraça-lo, nem preciso dizer que é absurda a ideia de um humano sem preparo fazer isso. Gabriel Belmont viu a oportunidade, Vlad tinha riquezas e influência nobre. Assim que o suposto Abraço ocorreu ele eliminou Vlad e o substituiu. Entretanto após o desaparecimento da Catedral de Carne, ele também desapareceu, e foi estipulado que ou ele havia morrido lá, ou que estava muito ferido e entrou em torpor em algum lugar na Transilvânia. - Pisha dava mais uma aula de história vampírica, certamente falando de forma calma e didática, dando tempo para Shanoa absorver tudo de forma natural, até demais, quem sabe forçando algumas memórias dela.

Uma nova música começava, num estilo diferente das anteriores, quem sabe outro tipo de gênero musical, e nisso Pisha falava a respeito da cidade. - Nosgoth é tida como o berço dos vampiros modernos, uma sombra do que foi a cidade perdida de Enoch. O antigo reino foi um campo de batalha entre os Kindred e os Lobisomens. Ambos os lados causaram grande destruição, matando milhares de seus inimigos e diversos outros no processo bélico. Com os séculos os dois lados perderam e reconquistaram controle em diversos locais, dando um aspecto caótico e mutável a essas terras. - Explicava ela com calma, falando didaticamente e de forma pausada. - Teve outra grande guerra em Nosgoth fazem três anos mais ou menos, o Rei dos Vampiros e o Grande Alpha dos Lobos fizeram um tratado supervisionado por outros seres que passaram a viver pela região. Desde então há paz na maioria dos cantos de Nosgoth, sempre tem encrenqueiros como os Sabbat ou alguns Anarquistas mais revoltados, mas no geral anda tudo em ordem. Muitos que querem se tornar colegiados na história vampírica ou nas academias dos clãs acabam vindo para cá, outros ficam para trabalhar na segurança ou nas iniciativas privadas. - Acrescentou Angel. - Exorcistas... Templários... Cavaleiros Sagrados... Deuses pagãos... Todo tipo de ser acabou se esgueirando durante a guerra. - Comentou Pisha como que com nojo, pelo tom de voz carregado de revolta e desprezo.

A musica seguinte tocava, mais lenta, mais emotiva, e assim Angel respondia a pergunta de Shanoa. - Uma nova organização veio para Nosgoth, uma que fornece um tipo de sangue artificial para os vampiros, todos achavam impossível isso, mas esses caras conseguiram. Os detalhes eu não sei, mas se chama True Blood, uma marca que cresceu rapidinho por aqui, e vou dizer, pra quem evitar beber de humanos é uma boa. - Dizia ele enquanto que Pisha parecia emburrada demais para sequer falar. - Se interessa saber, sangue de animais também ajuda com a Fome. Eu mesmo sobrevivo com sangue de porco, tenho experimentado esse True Blood. É a minha maneira de controlar a Besta. - Acrescentou ele, e ai Pisha o olhou. - Sério?? Você está conseguindo viver com isso? Você que vive caçando coisas e sendo caçado por elas? - Indagou incrédula. - Qual a surpresa? Eu bebi de humanos antes... Mas... Isso foi antes... Eu encontrei o que eu estava procurando. - Explicou ele de forma bem vaga o que fez a outra arregalar os olhos. - Golconda?? - Disse Pisha conforme finalmente adentravam na cidade, suas construções predominavam a arquitetura gótica, e haviam grandes castelos e mansões contrastando com edifícios e outros modelos arquitetônicos mais modernos. As ruas eram razoavelmente iluminadas, como se quisessem deixar um ar obrigatoriamente sombrio nas mesmas.